sexta-feira, 6 de maio de 2011

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David Cronenberg - Naked Lunch (1991)



O movimento beatnick é um incentivo literário à preguiça como método de trabalho.

O movimento beatnick é um incentivo literário à preguiça como método de trabalho. Nem todos, claro; afinal, existiram também os que podemos chamar de beats verdadeiros, como William S. Burroughs, por exemplo. Em Burroughs, o experimental é a regra; deve-se mergulhar, o mais profundo possível, nos mais obscuros e extremos subterfúgios da ignomínia humana. Caos é brincadeira perto disso. Estamos todos completamente fodidos, nos diz Burroughs.

O que é preocupante, se é que podemos dizer dessa forma, é toda essa idiotice pseudo-hedonista que vem se alastrado desde que esses adolescentes mesquinhos começaram a ler Jack Kerouac e seu On The Road, “vamos todos meter o pé na estrada!”. Deprimente, melhor dizendo, ver esses jovens sonhadores (que acham que podem mudar o mundo, que são todos grandes sensíveis, espíritos elevados, embriagados de poesia, vinho e marijuana, que acreditam em uma forma de vida verdadeiramente verdadeira, algo mágico) serem completamente destruídos assim que se deparam com a crueldade nua e crua das cidades. Atordoados e completamente à deriva, eles são conduzidos – em estado transe – em direção às engrenagens inexoráveis e insaciáveis da sociedade capitalista, sendo espremidos até virar suco de laranja.

Esse é o destino a ser alcançado, mais cedo ou mais tarde, por esse jovem intelectual, que vinha até então se alimentando (culturalmente e fisiologicamente) à custa do pai e da mãe, que sempre – desde seu nascimento – acolheram com carinho o querido parasita; eis que ele se vê então, de repente, por sua conta e risco, e se apreende em sua condição de ser condenado à liberdade, de sobrevivente no mundo.

Isso é um surto espiritual em plena luz do dia, meu caro.

Quantas pessoas, jovens e velhas, estão dispostas, hoje em dia, a sacrificar suas vistas pelos livros (como o fizeram Jorge Luis Borges e James Joyce)? Hein, quantas? É improvável que se conheça pessoalmente, em nossos círculos de amizades, ao menos uma. Quantas pessoas agora, nesse exato instante, estão vivenciando uma experiência realmente profunda dentro de suas mentes…?

Bem menos do que você acredita, pode apostar.

Porra, é difícil pensar em algo realmente espiritual e/ou profundo quando você tem que estar se preocupando constantemente com as contas que ainda não foram pagas, os prazos que devem ser cumpridos, os itens numerados numa lista que chamamos de “agenda”; e o tempo, inexoravelmente fatiado pelas engrenagens metalicamente impiedosas de um relógio, com seus ponteiros afiados decapitando cabeças por aí. A realidade é uma merda, quando você se dá conta disso, ela deixa de simplesmente feder; ela começa a te afogar.

E agora, cadê a estrada, galera?

Esqueça – o sonho acabou.

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