sexta-feira, 6 de maio de 2011

Fotografias Fenomenológicas – n° 2

Harmony Korine - Gummo (1997)



Azul

A luz fria das 18 horas desce através do céu de Abril; suas lâminas afiadas, refratadas nas minúsculas ondas de cloro da água adormecida sob a piscina, pintam cinematograficamente a face do menino, sentado à beira da piscina, de um tom sereno de azul.

Seus olhos tristes têm a cor do oceano escuro.

Os dedos dos pés desse garoto (de 11 anos de idade, obeso, asmático, sem amigos, taciturno, e infantilmente desencantado com o mundo) estão mergulhados na água fria já há tanto tempo, que a pele enrugada assumiu uma forma distorcida semelhante à de um pé velho e aposentado. Ao redor dos braços, ele usa bóias de plástico amarelo, que sua mãe lhe obriga a usar desde que ele quase morrera afogado ali naquela mesma piscina, 1 ano atrás. Ele tinha então 10 anos de idade, e aquela tinha sido sua primeira tentativa de suicídio. Desde então, usava as bóias.

Ao seu lado está a bola de futebol novíssima, que nunca foi chutada, mas que ele guarda como uma forma de amuleto da sorte, de importância quase religiosa. Ela está parada embaixo da palma de sua mão, congelada no tempo e espaço daquele frio final de tarde de Abril. Ele também está ali, encarando o fundo azul da piscina e imaginando sabe-se-lá-o-quê sob as águas, quando o portão intimidador de metal automaticamente se abre para dar passagem ao BMW prateado do pai.

O pai voltou do trabalho mais cedo hoje.

De dentro do tubarão prateado estacionado na garagem, o pai desce e caminha na direção do filho. Nesse exato momento, uma fina camada de chuva começa a cortar a atmosfera, caindo sob suas cabeças e sob toda extensão do retângulo azul entijolado. Quando ele chega ao lado do filho, o menino inclina a cabeça em sua direção, e por alguns breves segundos, no alinhamento daqueles dois olhares tão distantemente próximos, a sintonia se torna perfeita. Nenhuma palavra é dita. O pai tira então uma das mãos do bolso e percorre os dedos pelos cabelos molhados do filho. Depois disso, ele caminha em direção à escada do trampolim. De terno, gravata, relógio de ouro e sapatos de couro, ele escala os úmidos degraus de alumínio.

Lá no alto, parado sob a ponta da prancha – sob a chuva –, aquele homem grisalho, muito sério, sorri por um instante, e logo em seguida mergulha de ponta na imensidão azul.

Os raios da coroa aquática se elevam com violência e explodem em incontáveis partículas de H2O que respingam por toda extensão da parte da borda da piscina em que o menino está sentado; vendo os pingos caírem em seu rosto, ele retira os dedos da água inconscientemente.

Encharcado, o pai submerge em meio ao caos molhado formado pelo movimento das ondas que ele ocasionou, e vai nadando em direção ao filho. Ele sai da piscina e senta, pesado, ao seu lado.

Sabe, ele diz, tem 11 anos que eu comprei essa piscina. Foi quando sua mãe me contou que estava grávida de você. 11 anos. Tem 11 anos que ela está aqui nesse mesmo lugar, e essa é a segunda vez em toda minha vida que eu entro nela.

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