quarta-feira, 25 de maio de 2011

13

Lynne Ramsay - Ratcatcher (1999)



"Essa é uma daquelas raras vezes em que você se depara com uma sutileza densa."
Frase dita por um grande amigo, em uma ocasião que eu não lembro qual foi.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Breves Entrevistas Com Homens Hediondos

B. E. n° 46 07-97
Nutley NJ


“Ó eu – ou pense no Holocausto. O Holocausto foi uma coisa boa? De jeito nenhum. Alguém pensa que foi bom que aconteceu? De jeito nenhum. Já leu Viktor Frankl? O homem em busca de sentido, de Viktor Frankl? É um grande, grande livro. Frankl esteve em um campo no Holocausto e o livro vem dessa experiência, é sobre a experiência dele com o Lado Escuro da humanidade, conservando a identidade humana diante da degradação, da violência do campo e do sofrimento do total arrancamento da identidade dele. É um livro absolutamente grande e agora pense que, se não tivesse acontecido o Holocausto, não existiria o homem em busca de sentido.”
P.
“Ó eu estava tentando dizer é que tem de cuidar para não tomar nenhuma atitude careta quanto à violência e degradação no caso das mulheres também. Tomar uma atitude careta a respeito de qualquer coisa é um grande erro, é isso que eu estou dizendo. Mas estou dizendo especialmente no caso das mulheres, em que isso acaba se transformando nessa coisa condescendente muito limitada de dizer que elas são coisinhas frágeis, quebradiças, que podem ser destruídas com tanta facilidade. Como se a gente tivesse que embrulhar as mulheres em algodão e proteger mais do que os outros. Isso é careta e condescendente. Estou falando de dignidade e respeito, não tratando as mulheres como se elas fossem umas bonequinhas frágeis ou sei lá. Todo mundo é machucado, violado, quebrado às vezes, por que as mulheres são tão especiais?”
P.
“Ó estou dizendo é que quem somos nós para dizer que ser vítima de incesto, de abuso, violação, sei lá, qualquer coisa dessas não pode ter também seus aspectos positivos para um ser humano a longo prazo? Não que tenha o tempo todo, mas quem somos nós para dizer que nunca tem, de um jeito careta? Não que ninguém tenha de ser estuprado ou abusado, nem que isso não seja totalmente terrível, negativo e errado enquanto está acontecendo, nem pensar. Ninguém nunca disse isso. Mas isso enquanto Está acontecendo. O estupro, a violação, o incesto, o abuso, enquanto está acontecendo. E depois? E mais adiante, no panorama geral aí, de como a cabeça dela lida com o que está acontecendo com ela, se ajusta para lidar com aquilo, o jeito como o que aconteceu passa a fazer parte de quem ela é? Ó estou dizendo que não é impossível que tenha casos em que isso amplia a pessoa. Faz a pessoa ser mais do que era antes. Um ser humano mais completo. Como Viktor Frankl. Ou aquele ditado de que o que não mata, engorda. Acha que quem falou isso falou foi para uma mulher que estava sendo estuprada? De jeito nenhum. A pessoa só não estava sendo careta. ”
P. …
“Não estou dizendo que não exista essa coisa de ser vítima. Ó estou dizendo é que a gente tende às vezes a ser muito limitado com a miríade de coisas diferentes que entram em conta para fazer uma pessoa ser quem é. Estou dizendo que a gente fica tão careta e condescendente com direitos, com perfeita justiça, com proteger as pessoas que ninguém pára para lembrar que ninguém é só vítima e nada é negativo ou injusto – quase nada é desse jeito. Ó – como é possível que as piores coisas que podem acontecer com você acabem sendo fatores positivos para quem você é. O que você é, ser um ser humano completo em vez de um – pense como é ser estuprada por uma gangue, degradada, espancada até quase morrer, por exemplo. Ninguém vai dizer que isso é bom, não estou dizendo isso, ninguém vai dizer que os filhos-da-puta doentes que fazem isso não têm de ir para a cadeia. Ninguém está sugerindo que ela estava gostando enquanto estava acontecendo nem que devia acontecer. Mas vamos botar duas coisas no lugar aqui. Uma é que, depois, ela sabe uma coisa sobre ela mesma que não sabia antes. ”
P.
“ O que ela sabe é que a coisa mais totalmente terrível e degradante que ela podia sequer imaginar que aconteceria com ela aconteceu de verdade com ela agora. E que ela sobreviveu. Ainda está ali. Não estou dizendo que está contente, não estou dizendo que está contente com a coisa nem que está em grande forma e pulando de contente porque aconteceu, mas ainda está ali e sabe disso, agora sabe de uma coisa. Estou dizendo que ela sabe de fato. A idéia que ela tem dela mesma e aquilo que ela pode viver e a que pode sobreviver é maior agora. Ampliou, cresceu, se aprofundou. Ela está mais forte do que nunca jamais pensou lá no fundo dela e agora sabe disso, ela sabe que é forte de um jeito totalmente diferente de saber só porque seus pais disseram para você ou porque alguém que faz discurso na reunião da escola faz você repetir que você é Alguém, que você é Forte, repetir, repetir. Ó estou dizendo é que ela não é a mesma e como alguns jeitos de ela não ser a mesma, exemplo, se ela ainda tem medo de ir até o carro à meia-noite num estacionamento ou sei lá de ser assaltada e estuprada por um bando, ela agora tem medo de um jeito diferente. Não que ela queira que aconteça de novo, ser estuprada por um bando, de jeito nenhum. Mas ela agora sabe que isso não mata, que ela sobrevive, que não vai eliminar quem ela é, nem fazer ela virar sub-humana.”
P. …
“E além disso ela agora sabe também mais sobre a condição humana, o sofrimento, o terror, a degradação. Quer dizer, todo mundo admite que o sofrimento e o horror fazem parte do estar vivo, do existir, ou pelo menos se fala da boca para fora que se sabe disso, da condição humana. Mas agora ela sabe mesmo. Não estou dizendo que está contente com isso. Mas pense como a visão de mundo dela é maior agora, como o quadro geral agora é mais amplo e mais profundo na cabeça dela. Ela é capaz de entender o sofrimento de um jeito totalmente diferente. Ela é mais do que era. Só isso que estou dizendo. Mais ser humano. Agora ela sabe uma coisa que você não sabe.”
P.
“Essa é a reação careta, é disso que estou falando, pegar tudo que eu estou dizendo, pegar e filtrar pela sua visão estreita do mundo e dizer que estou dizendo Ah os caras que estupraram ela fizeram um favor. Porque não é isso que eu estou dizendo. Não estou dizendo que foi bom, ou que foi certo, ou que devia ter acontecido, ou que ela não ficou completamente fodida com aquilo, abalada, ou que devia mesmo ter acontecido. Porque em qualquer caso de uma mulher que está sendo estuprada por um bando, ou violada ou sei lá, se eu estivesse lá e tivesse o poder de dizer ou Vá em frente ou Pare, eu parava. Mas não posso. Ninguém pode. Coisas absolutamente terríveis acontecem. A existência e a vida dobram as pessoas de uma porrada de jeitos horríveis o tempo todo. Pode acreditar, eu sei, eu estive lá.”
P.
“E eu acabo achando que é essa a verdadeira diferença. Você e eu aqui. Porque isto aqui não é de fato questão de política, de feminismo, sei lá. Para você isto é tudo idéias, você acha que estamos falando de idéias. Você não esteve lá. Não estou dizendo que nada de mau nunca aconteceu para você, você tem boa aparência e aposto que alguma degradação, sei lá, já apareceu para você na vida. Não é isso que eu estou dizendo. Mas estamos falando aqui é da violação total, do sofrimento, do terror do tipo Holocausto do Homem em busca de sentido de Frankl. O Lado Escuro de verdade. E, meu bem, posso dizer só de olhar para você que você nunca. Você nem vestiria o que está vestindo, pode crer. ”
P.
“ Que você pode admitir que acredita, é, ok, que a condição humana é cheia de terríveis horríveis sofrimentos humanos e que você pode sobreviver a qualquer coisa, sei lá. Mesmo que você acredite de verdade. Você acredita, mas e se eu disser que eu não acredito só, que eu sei? Isso faz alguma diferença no que eu estou falando? E se eu disser para você que minha própria esposa foi estuprada por um bando? Não tem mais tanta certeza, não é? E se eu contar para você uma historinha de uma garota de dezesseis anos que foi à festa errada com o rapaz errado e com os amigos dele e que ela acabou sendo – depois de fazer com ela quase tudo que quatro sujeitos podem fazer com você em termos de violação. Seis semanas no hospital. E se eu disser para você que ela ainda tem de fazer diálise duas vezes por semana, foi a esse ponto o que eles fizeram com ela?”
P.
“ E se eu disser para você que ela de jeito nenhum pediu aquilo, sentiu prazer naquilo, gostou daquilo, ou gosta de ter só meio rim e se ela pudesse voltar e tivesse um jeito de parar aquilo ela pararia, mas se você perguntar para ela se ela pudesse entrar dentro da cabeça dela e esquecer, ou apagar a fita da coisa acontecendo na memória dela, o que você acha que ela ia dizer? Tem tanta certeza do que ela diria? Que ela gostaria de nunca ter de, assim, estruturar a cabeça dela para lidar com a coisa acontecendo com ela ou de de repente saber que o mundo pode dobrar você bem assim. Saber que um outro ser humano, esses sujeitos, podem olhar para você ali na cama e do jeito mais totalmente profundo entender você como uma coisa, não como uma pessoa, uma coisa, uma boneca de foda, um saco de pancada, um buraco, só como um buraco para enfiar uma garrafa de Jack Daniels tão fundo que ela explode seus rins – se ela disser depois que, mesmo sendo totalmente negativo o que aconteceu, agora pelo menos ela sabe que é possível, que as pessoas são capazes.”
P.
“ Ver você como uma coisa, que eles são capazes de ver como uma coisa. Sabe o que isso quer dizer? É terrível, nós sabemos o quanto isso é terrível enquanto idéia, que é errado, e achamos que sabemos todas essas coisas sobre direitos humanos e dignidade humana e como é terrível tirar a humanidade de alguém, é só isso que a gente diz, a humanidade de alguém, mas ver a coisa acontecer com você, ver, e agora você sabe de verdade. Não é só uma idéia ou uma causa para ficar todo careta. Faça acontecer isso e você tem um gostinho de verdade do Lado Escuro. Não só a idéia de escuro, o genuíno Lado Escuro. E agora você sabe o poder que isso tem. O poder total. Porque se você consegue realmente ver alguém como uma coisa você pode fazer com o outro qualquer coisa, fica tudo de fora, humanidade, dignidade, direitos, justiça – tudo de fora. Ó – e se ela dissesse que é como um pequeno e caro tour por um lado da condição humana de que todo mundo fala como se soubesse, mas que realmente ninguém consegue nem imaginar, não de verdade, não a menos que você tenha estado lá. Então o negócio é que o jeito de ela ver o mundo se ampliou, e se eu disser isso? O que você diria? E dela, como ela agora entendeu a si mesma. Que agora ela entendeu que pode ser entendida como uma coisa. Você consegue perceber o quanto isso ia mudar – ia dilacerar, o quanto isso ia dilacerar? De si mesma, de você, o que você costumava pensar como você? Iria dilacerar isso. Depois o que sobraria? Consegue imaginar, você acha? É o que o Viktor Frankl no livro dele diz que no pior momento do campo do Holocausto, quando sua liberdade era tirada, a sua privacidade e a sua dignidade, porque você está nu num campo lotado e tem de ir ao banheiro na frente de todo mundo porque não existe mais nada como privacidade e sua mulher morta, seus filhos morrendo de fome com você olhando e não tem comida, nem aquecimento, nem cobertor, tratam vocês como ratos porque para eles realmente vocês são realmente ratos, não um ser humano, e chamam você, levam você para dentro, torturam você, assim, tortura científica para eles mostrarem para você que eles podem até tirar o seu corpo, o seu corpo nem é você mais, é o inimigo, é essa coisa que eles usam para torturar você porque para eles é só uma coisa e eles estão fazendo experimentos científicos com ele, não é nem sadismo, eles não estão sendo sádicos porque para eles não é um ser humano que estão torturando – isso quando tudo o que tem qualquer ligação com o você que você pensa que você é é arrebatado e agora tudo o que sobra é apenas: o quê?, o que sobra, sobra alguma coisa? Você ainda está vivo, então o que resta de você? O que é isso? O que você significa agora? Veja bem, é hora do show, agora é quando você descobre o que você até é para si mesmo. Coisa que a maior parte das pessoas com dignidade, humanidade, direito e tudo aquilo lá não chega nem a conhecer. O que é possível. Que nada é automaticamente sagrado. É disso que Frankl fala. Que é através do sofrimento, do terror e do Lado Escuro que o que sobra se abre e depois disso você sabe.”
P.
“E se eu disser para você que ela disse que não foi a violação, nem o terror, nem a dor, nem nada disso, que – que a maior parte, depois, de tentar, assim, estruturar a cabeça em torno daquilo, de encaixar o que aconteceu no mundo dela, que a pior parte, a parte mais dura de tudo era agora saber que ela podia pensar em si mesma daquele jeito também se quisesse. Como coisa. Que é totalmente possível pensar em si mesmo não como você, nem como uma pessoa, mas apenas uma coisa, igual foi para os quatro sujeitos. E como era fácil e poderoso fazer isso, pensar isso, mesmo enquanto a violação estava acontecendo, simplesmente se dividir e flutuar assim até o teto e de lá olhar para baixo e a coisa é você, não significa nada, não há nada que aquilo automaticamente signifique, e é uma liberdade e um poder muito intensos de muitas formas, que agora tudo se acabou e foi tudo tirado de você e você pode fazer qualquer coisa para qualquer um, até para si mesmo se você quiser porque quem se importa que importância tem porque o que você é afinal senão essa coisa onde se enfia uma garrafa de Jack Daniels, e quem liga se é uma garrafa, que diferença faz se é um pinto, um punho, um desentupidor de pia, ou esta bengala aqui – como seria capaz de ser assim? Você acha que é capaz de imaginar? Acha que pode, mas não pode. Mas e seu disser que ela agora pode? E se eu disser para você que ela pode porque com ela isso aconteceu e ela sabe totalmente que é possível ser só uma coisa, mas bem como Viktor Frankl que cada minuto de então em diante minuto a minuto se você quiser você pode escolher ser mais se você quiser, você pode escolher ser um ser humano e fazer isso significar alguma coisa? Então o que você diria?”
P.
“ Eu estou calmo, não se preocupe comigo. É como essa coisa do Frankl de aprender que não é automático, como é uma questão de escolha ser um ser humano com direitos sagrados em vez de uma coisa ou um rato e a maioria das pessoas é tão convencida e careta e anda por aí adormecida nem sabe que uma coisa que você tem de realmente escolher para si mesmo que só tem sentido quando todos os, assim, objetos de cena e cenários que fazem você andar por aí achando presunçosamente que você não é uma coisa, essas coisas são arrebatadas e quebradas porque de repente agora o mundo entende você como uma coisa, todo mundo pensa que você é um rato ou uma coisa e agora depende de você, você é o único que pode decidir se você é mais. E se eu disser que nem era casado? E daí? Então é hora do show, acredite em mim, meu bem, me acredite, todo mundo que nunca sofreu esse tipo de ataque total e de violação em que tudo o que eles pensavam que tinham nascido automaticamente com aquilo isso presunçosamente permite que eles andem por aí achando que são automaticamente mais que uma coisa acaba despido, dobrado e colocado dentro de uma garrafa de Jack Daniels enfiada na sua bunda por quatro sujeitos bêbados cuja idéia de divertimento é o seu sofrimento, sua violação, um jeito de matar umas horas, nada muito importante, nenhum deles provavelmente sequer se lembra, que ninguém que passou realmente por isso jamais consegue ser assim tão amplo depois, sabendo sempre lá no fundo que é sempre uma escolha, que é você que está inventando você mesmo segundo a segundo todos os segundos de agora em diante, que a única pessoa que pensa que você é uma pessoa a cada segundo é você e você pode parar assim que quiser e sempre que quiser voltar a ser apenas uma coisa que come fode caga tenta dormir vai para a diálise e recebe garrafas quadradas enfiadas tão fundo na bunda que ela quebra por obra de quatros sujeitos que te chutaram os culhões para fazer você se dobrar que você nem conhecia nem nunca tinha visto antes e nunca tinha feito nada contra para fazer qualquer sentido eles quererem te dar uma joelhada, ou te estuprar, ou sequer pedir por esse tipo de total degradação. Que nem sabem o seu nome, você nem nome tem. Você não tem automaticamente um nome, não é uma coisa que simplesmente se tem, sabe. Para descobrir você tem até de escolher até ter um nome ou ser mais do que apenas uma máquina programada com diferentes reações quando eles fazem coisas diferentes com você quando eles pensam neles para passar o tempo até se cansarem e aí é tudo com você cada segundo depois e se eu dissesse que aconteceu comigo? Que diferença faria isso? Vocês que são todos tão cheios de política careta sobre as suas idéias sobre vítimas? Tem de ser uma mulher? Você acha, talvez você ache que pode imaginar a coisa melhor se for uma mulher porque os atributos externos dela parecem mais com os seus então é mais fácil ver ela como ser humano que está sendo violado de forma que se fosse alguém com um pau e não tetas não seria tão real para você? E se não fosse o povo judeu no Holocausto, se fosse só eu no Holocausto? Quem você acha que ia se importar? Acha que alguém se importou com Viktor Frankl ou admirou a humanidade dele até ele dar a todos O homem em busca de sentido? Não estou dizendo que aconteceu comigo, com ele ou com a minha esposa nem mesmo que aconteceu, mas e se aconteceu? E se eu fizesse isso com você? Bem aqui? Te estuprasse com uma garrafa? Acha que faria alguma diferença? Por quê? O que você é? Como você sabe? Você não sabe merda nenhuma. ”

David Foster Wallace, Brief Interviews With Hideous Men.
Páginas 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145 e 146.
Tradução de José Rubens Siqueira.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

12

Jacques Tati - Play Time (1967)



O único jeito de se conhecer bem uma cidade é se perdendo dentro dela.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

11

Carlos Reygadas - Stellet licht (2007)



Pequeno aforismo sem título n° 2

O mundo é finito, assim como o homem; contudo, contém dentro de si o infinito – intrínseco em tudo aquilo que ainda está invisível.

O devir do espírito, inserido dentro do tempo inexorável, é – em si – incálculavel.

A sinfonia do caos é, em quase toda sua extensão, silenciosa.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Fotografias Fenomenológicas – n° 2

Harmony Korine - Gummo (1997)



Azul

A luz fria das 18 horas desce através do céu de Abril; suas lâminas afiadas, refratadas nas minúsculas ondas de cloro da água adormecida sob a piscina, pintam cinematograficamente a face do menino, sentado à beira da piscina, de um tom sereno de azul.

Seus olhos tristes têm a cor do oceano escuro.

Os dedos dos pés desse garoto (de 11 anos de idade, obeso, asmático, sem amigos, taciturno, e infantilmente desencantado com o mundo) estão mergulhados na água fria já há tanto tempo, que a pele enrugada assumiu uma forma distorcida semelhante à de um pé velho e aposentado. Ao redor dos braços, ele usa bóias de plástico amarelo, que sua mãe lhe obriga a usar desde que ele quase morrera afogado ali naquela mesma piscina, 1 ano atrás. Ele tinha então 10 anos de idade, e aquela tinha sido sua primeira tentativa de suicídio. Desde então, usava as bóias.

Ao seu lado está a bola de futebol novíssima, que nunca foi chutada, mas que ele guarda como uma forma de amuleto da sorte, de importância quase religiosa. Ela está parada embaixo da palma de sua mão, congelada no tempo e espaço daquele frio final de tarde de Abril. Ele também está ali, encarando o fundo azul da piscina e imaginando sabe-se-lá-o-quê sob as águas, quando o portão intimidador de metal automaticamente se abre para dar passagem ao BMW prateado do pai.

O pai voltou do trabalho mais cedo hoje.

De dentro do tubarão prateado estacionado na garagem, o pai desce e caminha na direção do filho. Nesse exato momento, uma fina camada de chuva começa a cortar a atmosfera, caindo sob suas cabeças e sob toda extensão do retângulo azul entijolado. Quando ele chega ao lado do filho, o menino inclina a cabeça em sua direção, e por alguns breves segundos, no alinhamento daqueles dois olhares tão distantemente próximos, a sintonia se torna perfeita. Nenhuma palavra é dita. O pai tira então uma das mãos do bolso e percorre os dedos pelos cabelos molhados do filho. Depois disso, ele caminha em direção à escada do trampolim. De terno, gravata, relógio de ouro e sapatos de couro, ele escala os úmidos degraus de alumínio.

Lá no alto, parado sob a ponta da prancha – sob a chuva –, aquele homem grisalho, muito sério, sorri por um instante, e logo em seguida mergulha de ponta na imensidão azul.

Os raios da coroa aquática se elevam com violência e explodem em incontáveis partículas de H2O que respingam por toda extensão da parte da borda da piscina em que o menino está sentado; vendo os pingos caírem em seu rosto, ele retira os dedos da água inconscientemente.

Encharcado, o pai submerge em meio ao caos molhado formado pelo movimento das ondas que ele ocasionou, e vai nadando em direção ao filho. Ele sai da piscina e senta, pesado, ao seu lado.

Sabe, ele diz, tem 11 anos que eu comprei essa piscina. Foi quando sua mãe me contou que estava grávida de você. 11 anos. Tem 11 anos que ela está aqui nesse mesmo lugar, e essa é a segunda vez em toda minha vida que eu entro nela.

10

David Cronenberg - Naked Lunch (1991)



O movimento beatnick é um incentivo literário à preguiça como método de trabalho.

O movimento beatnick é um incentivo literário à preguiça como método de trabalho. Nem todos, claro; afinal, existiram também os que podemos chamar de beats verdadeiros, como William S. Burroughs, por exemplo. Em Burroughs, o experimental é a regra; deve-se mergulhar, o mais profundo possível, nos mais obscuros e extremos subterfúgios da ignomínia humana. Caos é brincadeira perto disso. Estamos todos completamente fodidos, nos diz Burroughs.

O que é preocupante, se é que podemos dizer dessa forma, é toda essa idiotice pseudo-hedonista que vem se alastrado desde que esses adolescentes mesquinhos começaram a ler Jack Kerouac e seu On The Road, “vamos todos meter o pé na estrada!”. Deprimente, melhor dizendo, ver esses jovens sonhadores (que acham que podem mudar o mundo, que são todos grandes sensíveis, espíritos elevados, embriagados de poesia, vinho e marijuana, que acreditam em uma forma de vida verdadeiramente verdadeira, algo mágico) serem completamente destruídos assim que se deparam com a crueldade nua e crua das cidades. Atordoados e completamente à deriva, eles são conduzidos – em estado transe – em direção às engrenagens inexoráveis e insaciáveis da sociedade capitalista, sendo espremidos até virar suco de laranja.

Esse é o destino a ser alcançado, mais cedo ou mais tarde, por esse jovem intelectual, que vinha até então se alimentando (culturalmente e fisiologicamente) à custa do pai e da mãe, que sempre – desde seu nascimento – acolheram com carinho o querido parasita; eis que ele se vê então, de repente, por sua conta e risco, e se apreende em sua condição de ser condenado à liberdade, de sobrevivente no mundo.

Isso é um surto espiritual em plena luz do dia, meu caro.

Quantas pessoas, jovens e velhas, estão dispostas, hoje em dia, a sacrificar suas vistas pelos livros (como o fizeram Jorge Luis Borges e James Joyce)? Hein, quantas? É improvável que se conheça pessoalmente, em nossos círculos de amizades, ao menos uma. Quantas pessoas agora, nesse exato instante, estão vivenciando uma experiência realmente profunda dentro de suas mentes…?

Bem menos do que você acredita, pode apostar.

Porra, é difícil pensar em algo realmente espiritual e/ou profundo quando você tem que estar se preocupando constantemente com as contas que ainda não foram pagas, os prazos que devem ser cumpridos, os itens numerados numa lista que chamamos de “agenda”; e o tempo, inexoravelmente fatiado pelas engrenagens metalicamente impiedosas de um relógio, com seus ponteiros afiados decapitando cabeças por aí. A realidade é uma merda, quando você se dá conta disso, ela deixa de simplesmente feder; ela começa a te afogar.

E agora, cadê a estrada, galera?

Esqueça – o sonho acabou.

terça-feira, 3 de maio de 2011

9

Shari Springer Berman, Robert Pulcini - American Splendor (2003)



Direitos malditos

Quando se é pobre, a pior parte do seu dia-a-dia é ser obrigado a exercer o tal do direito de ir e vir. Faz parte dos direitos inalienáveis, eles dizem. Direitos naturais, eles dizem. Só que o que poucos parecem se dar conta – mas todos vivem na pele – é o fato de que não há nada de natural nisso.

Fotografias Fenomenológicas – n° 1




Veja

Praias paradisíacas do Caribe.
Turistas americanos com camisas florais alaranjadas.
Sorrisos brancos estampados a torto e a direito.
Céu ensolarado; fotografia azul, quase verde.
Veja.

Como é bom viajar!
Como é bom ver o mundo!
Diz o apresentador.

Charles Mingus - Mingus Ah Um (1959)



All songs composed by Charles Mingus, except 12, composed by Sonny Clapp. Original shortened song lengths are given within parentheses.

1. "Better Git It in Your Soul" – 7:23
2. "Goodbye Pork Pie Hat" – 5:44 (4:46)
3. "Boogie Stop Shuffle" – 5:02 (3:41)
4. "Self-Portrait in Three Colors" – 3:10
5. "Open Letter to Duke" – 5:51 (4:56)
6. "Bird Calls" – 6:17 (3:12)
7. "Fables of Faubus" – 8:13
8. "Pussy Cat Dues" – 9:14 (6:27)
9. "Jelly Roll" – 6:17 (4:01)

Bonus tracks on later reissues


10. "Pedal Point Blues" – 6:30
11. "GG Train" – 4:39
12. "Girl of My Dreams" – 4:08


Personnel

* John Handy – alto sax (6, 7, 9, 10, 11, 12), clarinet (8), tenor sax (1, 2)
* Booker Ervin – tenor sax
* Shafi Hadi – tenor sax (2, 3, 4, 7, 8, 10), alto sax (1, 5, 6, 9, 12)
* Willie Dennis – trombone (3, 4, 5, 12)
* Jimmy Knepper – trombone (1, 7, 8, 9, 10)
* Horace Parlan – piano
* Charles Mingus – bass, piano (with Parlan on track 10)
* Dannie Richmond – drums

Download: http://www.megaupload.com/?d=2Q2GE8YA

segunda-feira, 2 de maio de 2011

The Keith Tippett Group - Dedicated To You, But You Weren't Listening (1971)




Songs / Tracks Listing
1 This is What Happens (5:45)
2 Thoughts to Geoff (10:19)
3 Green and Orange Night (8:12)
4 Gridal Suite (6:13)
5 Five After Dawn (5:24)
6 Dedicated to You, But You Weren't Listening (0:36)
7 Black Horse (5:53)

Credits:
Alto Saxophone, Saxello - Elton Dean
Bass - Neville Whitehead , Roy Babbington
Conga Drums, Cowbell - Tony Uta
Cornet - Marc Charig
Drums - Bryan Spring , Phil Howard , Robert Wyatt
Guitar - Gary Boyle
Piano - Keith Tippett
Producer - Pete King
Trombone - Nick Evans

Download: http://www.megaupload.com/?d=RFGQ7KGG

8

Chris Marker - La Jetée (1962)



O território do olhar


Quando alguém te olha e você percebe que, por detrás desse olhar – comprimindo-se em um pequeno ponto do cérebro, e transparecendo, apenas muito sutilmente, em mínimas contrações faciais – se escondem uma série de juízos de valores e julgamentos em geral, sendo esses completamente alheios aos seus sentimentos e sua história; é quando nos damos conta do quão difícil é ser humano nos dias de hoje, andar nas calçadas, sobreviver no mundo.

Um mundo indiferente, particular, residindo em cada olhar; quando todos eles resolvem se voltar contra você, o que fazer senão se encolher?

domingo, 1 de maio de 2011

7

Béla Tarr - Werckmeister Harmóniák (2000)



Indagação ao nada

O que é mais universal, o medo ou a preguiça?

(acho que a preguiça e o medo têm feito com que eu me esqueça de mim mesmo…)

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Os Cus de Judas

Emir Kusturica - Underground (1995)



"Do que eu gostava mais no Jardim Zoológico era do rinque de patinagem sob as árvores e do professor preto muito direito a deslizar para trás no cimento em elipses vagarosas sem mover um músculo sequer, rodeado de meninas de saias curtas e botas brancas, que, se falassem, possuíam seguramente vozes tão de gaze como as que nos aeroportos anunciam a partida dos aviões, sílabas de algodão que se dissolvem nos ouvidos à maneira de fios de rebuçado na concha da língua. Não sei se lhe parece idiota o que vou dizer mas aos domingos de manhã, quando nós lá íamos com o meu pai, os bichos eram mais bichos, a solidão de esparguete da girafa assemelhava-se à de um Gulliver triste, e das lápides do cemitério dos cães subiam de tempos a tempos latidos aflitos de caniche. Cheirava aos corredores do Coliseu ao ar livre, cheios de esquisitos pássaros inventados em gaiolas de rede, avestruzes idênticas a professoras de ginástica solteiras, pinguins trôpegos de joanetes de contínuo, catatuas de cabeça à banda como apreciadores de quadros: no tanque dos hipopótamos inchava a lenta tranquilidade dos gordos, as cobras enrolavam-se em espirais moles de cagalhão, e os crocodilos acomodavam-se sem custo ao seu destino terciário de lagartixas patibulares. Os plátanos entre as jaulas acinzentavam-se como os nossos cabelos, e afigurava-se-me que, de certo modo, envelhecíamos juntos: o empregado de ancinho que empurrava as folhas para um balde aparentava-se, sem dúvida, ao cirurgião que me varreria as pedras da vesícula para um frasco coberto de rótulo de adesivo: uma menopausa vegetal em que os caroços da próstata e os nós dos troncos se aproximavam e confundiam irmanar-nos-ia na mesma melancolia sem ilusões: os queixais tombavam da boca como frutos podres, a pele da barriga pregueava-se de asperezas de casca. Mas não era impossível que um hálito cúmplice nos sacudisse as madeixas dos ramos mais altos, e uma tosse qualquer rompesse a custo o nevoeiro da surdez em mugidos de búzio, que a pouco e pouco adquiriam a tranquilizadora tonalidade da bronquite conjugal."

António Lobo Antunes - Os Cus de Judas (1979); 1ª página.

6

Michael Haneke – Das Weiße Band (2009)


Pecado original = Medo?

É possível perceber em muitos dos indivíduos, assim ditos, crentes (cidadãos que se autodenominam como pessoas de bem, tementes a Deus), uma terrível forma distorcida de uma das mais fundamentais capacidades humanas – o discernimento. Não raro, confundem o próprio medo que têm de si próprios – ou do seja-lá-o-que-diabos conhecem pelo nome de pecado – como já sendo a virtude em si. Estão enganados; medo é medo, nada mais.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O Arco-Íris da Gravidade

Thomas Pynchon - Gravity's Rainbow (1973) , capa da 1ª edição.


Eis então aquele que considero um dos melhores inícios de livro de todos os tempos, o meu favorito:

"Um grito atravessa o céu. Já aconteceu antes, mas nada que se compare com esta vez.

É tarde demais. A Evacuação ainda continua, mas é tudo teatro. Não há luzes dentro dos vagões. Não há luz em lugar nenhum. Acima de sua cabeça elevam-se vigas velhas como uma rainha de aço, e em algum lugar lá no alto vidro que deixaria entrar a luz do dia. Mas é noite. Ele tem medo do modo como o vidro vai cair – em breve –, vai ser um espetáculo: o desabamento de um palácio de cristal. Porém caindo na escuridão total, sem nenhum lampejo de luz, só um grande estrondo invisível.

Sentado dentro do vagão, que tem vários níveis, imerso numa escuridão de veludo, sem nada para fumar, ele sente metal mais perto e mais longe rangendo e estalando, baforadas de vapor escapulindo, uma vibração na carroceria do vagão, uma expectativa, uma inquietação, todos os outros comprimindo-se a sua volta, os fracos, carneiros da segunda leva, todos desprovidos de sorte e tempo: bêbados, velhos ex-combatentes ainda em estado de choque por efeito de tiros de canhões obsoletos há 20 anos, vigaristas com trajes de cidade, vagabundos, mulheres exaustas com mais filhos do que parece possível uma pessoa ter, empilhados junto com as outras coisas a ser conduzidas à salvação. Só os rostos mais próximos são visíveis, e mesmo assim como imagens vagas num visor, rostos esverdeados de VIPS entrevistos por detrás de janelas à prova de bala disparando pela rua…

Começaram a andar. Vão em fila, saindo da estação principal, do centro da cidade, rumo aos bairros mais velhos e desolados. É por aqui que se sai? Rostos voltam-se para as janelas, mas ninguém ousa perguntar, não em voz alta. Chove. Não, não se trata de um desvencilhar, e sim de um emaranhamento – passam por baixo de arcos, entradas secretas de concreto podre que apenas pareciam ser o trevo de um viaduto… uns cavaletes de madeira escurecida deslizam lentamente por cima deles, e já começaram os cheiros de carvão de um passado distante, cheiros de nafta no inverno, em domingos em que não havia tráfego algum, das formações feito coral, de uma vitalidade misteriosa, em torno das curvas cegas e desvios desertos, um cheiro azedo de vagões ausentes, de ferrugem velha, a crescer naqueles dias cada vez mais vazios, luminosos e profundos, especialmente ao amanhecer, com sombras azuis selando sua passagem, tentando reduzir os acontecimentos ao Zero Absoluto… e quanto mais avançam mais pobre é tudo a sua volta… cidades secretas e decrépitas dos pobres, lugares com nomes que ele nunca ouviu antes… paredes destruídas, cada vez menos telhados, cada vez menos possibilidades de luz. A estrada, que devia abrir-se numa outra mais larga, em vez disso é cada vez mais estreita, mais quebrada, com esquinas cada vez mais fechadas, até que de repente, cedo demais, eles se vêem debaixo do arco final: uma freada e um sacolejo terrível. É um juízo que não permite recurso.

A caravana parou. É o fim da linha. Todos os evacuados recebem ordem de saltar. Andam devagar, mas sem opor resistência. Aqueles que os conduzem têm na cabeça rosetas cor de chumbo, e não falam. É algum hotel enorme, velhíssimo, escuríssimo, uma extensão de ferro dos trilhos e chaves que os trouxeram até aqui… Luminárias globulares, pintadas de verde-escuro, que há séculos não são acesas, pendem dos beirais de ferro trabalhado… a multidão avança sem murmúrios nem tosses por corredores retos e funcionais como os de um depósito… superfícies de um negro aveludado envolvem esta movimentação: um cheiro de madeira velha, de alas remotas há anos abandonadas recém-reabertas para armazenar este amontoado de almas, de reboco frio onde todos os ratos morreram, só restam seus fantasmas, imóveis como pinturas rupestres, teimosos e luminosos nas paredes… os evacuados são levados em grupos, num elevador – um andaime móvel de madeira, aberto em todos os lados, suspenso por cordas velhas sujas de breu e roldanas de ferro fundido com raios em forma de S. Em cada pardacento, saltam e entram passageiros… milhares de cômodos silenciosos sem luz…

Alguns aguardam a sós, alguns dividem os quartos invisíveis com outros. Invisíveis, sim, pois que importa a mobília nesta etapa dos acontecimentos? Os sapatos pisam a sujeira mais velha da cidade, as últimas cristalizações de tudo que a cidade negara, ameaçara, mentira a seus filhos. Cada um ouve uma voz, que lhe dá a impressão de falar só para ele, dizendo: "No fundo você não acreditava que ia ser salvo. Ora, a esta altura todos nós já sabemos quem somos. Ninguém jamais iria se dar ao trabalho de salvar você , meu caro…".

Não há saída. É deitar-se e esperar, em silêncio. O grito se sustenta no céu. Quando vier, virá na escuridão ou trará sua própria luz? A luz virá antes ou depois?

Mas já é dia. Há quanto tempo estará claro? Esse tempo todo a luz estava entrando, filtrada, juntamente com o ar frio da manhã que agora roça seus mamilos: começa a revelar um amontoado de vagabundos bêbados, uns de uniforme, outros à paisana, agarrados a garrafas vazias ou quase vazias, um jogado sobre uma cadeira, outro encolhido dentro de uma lareira fria, outros esparramados em diversos divãs, tapetes empoeirados e chaises-longues, nos diferentes níveis da sala enorme, roncando e ofegando em diversos ritmos, num coro incessante, enquanto a luz londrina, luz hibernal e elástica, cresce entre as faces das janelas de caixilhos, cresce entre as camadas de fumaça da noite passada que ainda paira, a dissipar-se, entre as vigas enceradas do teto. Todos esses supinos, esses companheiros de luta, têm rostos rosados de camponeses holandeses sonhando com a ressurreição certeira nos próximos minutos."

Thomas Pynchon - O Arco-Íris da Gravidade; 1ª Parte - Além do Zero, páginas 9, 10 e 11. Tradução de Paulo Henriques Britto

5

Luiz Fernando Carvalho - Lavoura Arcaica (2001)


Pequeno aforismo sem título

Um pai amaldiçoa um filho com a brevidade da vida – um reducto absurdum de toda experiência humana.
O tempo é o preço da memória; a existência só existe na consciência.
Aqueles que ainda não morreram, matam os que já estão mortos.

Sobrevivente - 2




"Parte da minha estratégia para seduzir Fetility Hollis é ficar feio de propósito, e começo ficando sujo. Meio grosseiro nas pontas. É difícil se sujar plantando quando você nem ao menos toca na terra, mas minhas roupas fedem a veneno, e meu nariz está meio queimado do sol. Com o caule de arame de um copo-de-leite de plástico, corto um punhado de adubo endurecido e esfrego no cabelo. Enfio a terra embaixo das unhas.

Deus me livre de tentar mostrar uma boa aparência para Fertility Hollis. A pior estratégia seria tentar me melhorar. Seria um grande erro eu me arrumar todo, me esforçar ao máximo, pentear o cabelo, talvez até pegar emprestado umas roupas elegantes do homem para quem trabalho, algo 100% algodão, uma camisa em tom pastel, escovar os dentes, passar o que eles chamam de desodorante e adentrar o Mausoléu de Columbia para meu segundo encontro ainda feio, mas mostrando sinais de que tentei de tudo para ficar bonito.

Então aqui estou eu. Melhor que isso é impossível. É pegar ou largar.

Como se eu não estivesse nem aí para o que ela pensa.

Ficar bonito não faz parte do grande plano. Meu plano é parecer que tenho um potencial não explorado. A aparência que quero é de algo natural. Verdadeiro. A aparência que procuro é a de material bruto. Não desesperado e carente, mas cheio de potencial. Não faminto. Claro, quero mostrar que valho o esforço. Lavado mas não passado. Limpo mas não polido. Confiante mas humilde.

Sincero é como quero parecer. A verdade não brilha nem reluz.

Isto aqui é uma agressão passiva em ação."

Chuck Palahniuk - Sobrevivente; Capítulo 38, páginas 63 e 64.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Mr. Bungle – Disco Volante (1995)



Track listing

1. "Everyone I Went to High School With Is Dead" (words/music: Dunn) – 2:45
2. "Chemical Marriage" (music: Spruance) – 3:09
3. "Sleep (Part II): Carry Stress in the Jaw" – 8:59
a) "Sleep (Part II): Carry Stress in the Jaw" (words/music: Dunn)- 4:42
b) Untitled - 4:17

4. "Desert Search for Techno Allah" (words: Spruance, music: Patton/Spruance) – 5:24
5. "Violenza Domestica" (words: Patton, music: Patton/Spruance) – 5:14
6. "After School Special" (words: Dunn/McKinnon/Patton, music: McKinnon) – 2:47
7. "Sleep (Part III): Phlegmatics" (words/music: Dunn) – 3:16
8. "Ma Meeshka Mow Skwoz" (words/music: Spruance) – 6:06
9. "The Bends" (music: Patton/McKinnon/Spruance) - 10:28
a) "Man Overboard"- :41
b) "The Drowning Flute"- :52
c) "Aqua Swing"- 1:56
d) "Follow the Bubbles"- :14
e) "Duet for Guitar and Oxygen Tank"- :51
f) "Nerve Damage"- :38
g) "Screaming Bends"- :40
h) "Panic in Blue"- :57
i) "Love on the Event Horizon"- 1:29
j) "Re-Entry"- 1:46

10. "Backstrokin'" (music: Patton) – 2:27
11. "Platypus" (words: Dunn, music: Dunn/Spruance) – 5:07
12. "Merry Go Bye Bye"/Untitled – 12:58
a) "Merry Go Bye Bye" (words/music: Spruance)- 6:22
b) Untitled - 5:48



Personnel

* Mike Patton – vocals, microcassette, organs on tracks 9 and 10, ocarina on track 3
* Trevor Dunn – bass guitar
* Trey Spruance – pipa, keyboard/organs, guitar, electronics, artwork
* Clinton McKinnon – tenor saxophone, clarinet, keyboard on track 6, drums on track 5
* Danny Heifetz – drums
* Theo Lengyel – clarinet, flute, alto saxophone, trombone, zills

Download: http://www.megaupload.com/?d=GJUDMB4Z

4

Jan Svankmajer - Tma/Svetlo/Tma (1989)



Silogismo vítimista

Estamos vivendo em meio a um vítimismo fatalista – um mundo onde todos são vítimas, vítimas das vítimas, vítimas de si mesmos; em uma eterna busca por culpados imaginários.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Um conto minimalista de David Foster Wallace

David Lynch - Blue Velvet (1986)


Segue o conto, no original e na tradução, "A radically condensed history of postindustrial life", conto de abertura do livro Brief Interviews with hideous men, escrito pelo meu ídolo e mentor David Foster Wallace.

A radically condensed history of postindustrial life

When they were introduced, he made a witticism, hoping to be liked. She laughed extremely hard, hoping to be liked. Then each drove home alone, staring straight ahead, with the very same twist to their faces.

The man who’d introduced them didn’t much like either of them, though he acted as if he did, anxious as he was to preserve good relations all times. One never know, after all, now did one now did one now did one.


Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial

Quando foram apresentados, ele fez uma piada, esperando ser apreciado. Ela riu extremamente forte, esperando ser apreciada. Depois, cada um voltou para casa sozinho em seu carro, olhando direto para a frente, com a mesma contração no rosto.

O homem que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, embora agisse como se gostasse, ansioso como estava para conservar boas relações a todo momento. Nunca se sabe, afinal, não é mesmo não é mesmo não é mesmo.

Tradução de José Rubens Siqueira

3

Jackson Pollock - Number 3 (1950)


a) O existir humano é o organizar o caos;
b) Para sobreviver na entropia, a paranóia é obrigatória. Pynchon explica;
c) A vida brilha mais quando se vê cercada pelas sombras da morte. Ela é vaidosa;
d) A principal qualidade da vida é a morte;
e) Teremos que aprender a nos distrair com o vazio.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

2

Timur Bekmambetov - Nochnoy Dozor (2004)


Si fallor, sum

Ajudar é um erro.

Nenhum gesto – nada –, por mais precioso que possa vir a ser, terá um alcance tão profundo e importante quanto teria, esse mesmo gesto, se tivesse partido das próprias mãos daquele que está a ser ajudado.

Somos naturalmente inclinados ao desinteresse pelo que "vem de fora". Ser humano, na maior parte do tempo, significa Ser egoísta.

Sobrevivente



"Hoje é um daqueles dias em que o sol sai para te humilhar."
Chuck Palahniuk - Sobrevivente; capítulo 44, página 31.

1

David Lynch - Lost Highway (1997)



1


Por "processo": tudo aquilo que Ainda não terminou; mas já começou…
Começou, de novo.
Mas até quando dessa vez?